Em algum
momento todos devemos perceber nossas parcelas de responsabilidade pelo nosso
caos. Eu, nunca estive realmente aberto ao longo dos anos e deixei acumular
rancores profundos em mim. Houve motivos? Sim, eles sempre existem. A leviandade
foi ter cedido tanto a eles. Fizeram me sentir a cada dia mais abandonado. Menos
amado. Menos importante. Menos. Menor. Desci por uma espiral que trouxe como ônus
infelicidade e revolta. A insistência em pagar a todos com a moeda da
indiferença não obteve nenhum dos resultados esperados. Ninguém foi mais
atingido do que eu mesmo.
Costumo me
iludir com certezas. Por vezes parece que minha visão tem a mesma profundidade
que a de um caolho. Iludo-me com axiomas tolos. Desejo e vontade para mim só
possuíam legitimidade quando únicos. Esquivei-me de minha própria humanidade.
Julgava aos demais por suas incertezas e inconstâncias negando a existência das
minhas. Não percebia que em meio a diversas vontades havia uma vencedora. Mas
ela jamais estava sozinha no páreo. Afinal, em todo momento traçamos planos. Mas
nem todos vencem. Uma armadilha me fez pensar que eu era o plano b da vida. Uma
existência condenada a nunca possuir nada completo. Acumulei inúmeras
frustrações e nenhuma solução. Deixei a casca crescer esquecendo-me de
preservar o que havia por dentro. Afundei-me no engodo de um retorno fácil, mas
agora permaneço parado pois não vejo como o destempero possa me livrar de todo
o desconforto com que me preenchi.
Viva, eles
dizem! Ora, mas o que mais tenho feito desde nascituro? Se não sei fazê-lo até
esse momento sofro então de incompetência incorrigível. Compreendo que há
algumas inabilidades eu preciso corrigir. Deixar para trás minha caixa de
angústias. Deixar que os rancores se vão. Perceber que não é aceitável abandonar-se.
Deitar-se em cama de infelicidade meticulosamente construída. Não passar a vida
apegando-se ao pior. Não deixar-se prender pela peça de que um breve momento de
gozo me livrará da negritude ou me trará de volta todo momento de felicidade
que já tive. É ela quem eu devia ter guardado. Deixar a carcaça endurecida
presa sobre a caixa vazia de dúvidas, medos e raiva. Deixar o amor
reconstruir a tudo, pois o ódio não conseguiu.