segunda-feira, janeiro 14, 2008

Monotonia

Parecia mais um daqueles dias clichês. A chuva batia no vidro da janela do quarto e eu precisava de todos os meus cobertores para manter-me aquecido. O despertador já havia tocado diversas vezes. Tentei ignorar todas. O resquício da gripe forte me fazia sentir enorme preguiça. O gato estava enroscado na ponta da cama, próximo aos meus pés. Inerte. Em letargia. Tateei o criado-mudo em busca do controle remoto. Ligada, a luz da TV nova não invadiu o quarto como um sol agonizante. A luz azul não apareceu. Só então me dei conta de como a modernidade é fria. Busquei diferentes canais. Resignei-me. Um aparelho frio não seria capaz de aquecer-me o ânimo. Nos livros e filmes, geralmente, dias como esses reservam acontecimentos grandiosos e abruptos. Resolvi esperar então. Passados trinta e sete minutos tediosos compreendi que nada aconteceria mesmo. Levei a mão até o gato para fazer um afago. Ao toque da minha mão ele afastou-se e pulou da cama. Certamente o acontecimento mais interessante daquele dia monótono. Senti sede. Fingi que não sentia. Não tinha vontade de levantar para ir a cozinha. Desliguei a Tv. Colocando o controle de volta ao seu lugar esbarrei os dedos em uma caixa. Meus calmantes. Destaquei e engoli. Seco. Esperei mais alguns minutos e acordei agora. A chuva ainda bate na janela. Para me distrair relembro cada momento do dia anterior. Tento em vão torná-los excitante em palavras. Minha caneta também é enfadonha. Olho para o criado-mudo e vejo que só me restam quatro comprimidos. Meu tempo está acabando. O que fazer quando precisar voltar a viver? Talvez ir a farmácia e comprar mais algumas caixas.

domingo, janeiro 13, 2008

Entrevista

-Por favor, a senhorita pode me emprestar uma caneta?

-O senhor comparece a uma entrevista de emprego sem ao menos trazer uma caneta?

-Está seca. Falhou.

-Aqui está. Não gostamos muito de falhas por aqui.

Começo ruim. Mas que culpa tenho? Não sou agora capacitado porque minha caneta falhou? O que posso fazer? Processar a fábrica de canetas? Alegar que perdi uma vaga por um defeito no produto deles e pedir uma pensão vitalícia?

-Terminei. Aqui está sua caneta.

-Fique com ela, pode precisar. Sempre tenho uma de reserva, para uma emergência. É preciso estar preparado para superar os obstáculos.

-Obrigado.

Vadia. Quer me testar? Se for admitido será minha subalterna. Pensa estar em condição melhor que a minha por ter uma colocação de mercado? Uma colocação de recepcionista?

-Vou pedir ao doutor para recebê-lo. Pode servir-se de água se desejar.

Na bandeja há duas jarras. Uma com água e outra com suco. E uma garrafa de café. Porque me ofereceu somente água? Sirvo-me do café. Está velho, com gosto ruim. Pego outro copo e encho de água. Talvez o suco esteja azedo.

-O doutor irá atendê-lo em poucos minutos.

-Certo, eu espero.

-Alô? A copeira não está? Ela precisa trocar o café, está aqui desde a manhã. Está velho. Passou mal? Filho? E ninguém pode fazer? Pelo menos retirar as garrafas?

Esclarecido o café frio. A copeira nos deixou aqui sem café fresco para cuidar da prole. Como se fizesse diferença. Seus filhos nunca estarão pleiteando uma vaga como a que concorro agora, se sobreviverem.

-Dia cheio não? Essas pessoas inventam muitos problemas para não trabalhar.

-Eu entendo, tenho dois filhos.

-Mas para essas emergências temos babás, empregadas.

-Quem pode pagá-las.

-Ah, elas cobram pouco. Precisam de pouco para manter-se de pé. E sempre se pode contar com as avós também!

-Entendo. O doutor já pode vê-lo.

-Obrigado. É bom trabalhar aqui?

-Para muitos, sim.

-Que bom!

-Vai entender-se bem com o doutor. Seja você mesmo e terá a vaga.

-Obrigado! Você é muito gentil!

Pelo visto a menina não é tão petulante quanto imaginei. Se ficar aqui acho que já arranjei a primeira.