quarta-feira, janeiro 27, 2010

Dois caminhos

Ansioso, busco alguma coisa que me traga algum conforto nessa hora. Em algum momento da minha vida deixei passar o encanto por entorpecentes pelos olhos sem que nele mergulhasse. Isso hoje poderia fazer alguma diferença. O fato é que não possuo nenhuma substância à mão que possa me trazer algum alívio. Só me resta recorrer a alguma substância mental. Alguma coisa que possa me ajudar e esteja no fundo dos meus pensamentos. Mas o que poderia ser se sinto que muitos prazeres já me deixaram? Onde encontrar o gozo dentro de mim? Pergunta inútil. Pensamentos existencialistas de nada me servem agora e só fazem crescer a angústia. Essa sensação de aperto. De vazio. Uma contradição.

Álcool. Certamente algo alcoólico há em casa. Uma solução pouco original, mas eficiente. Levanto e sigo até a geladeira procurando alguma garrafa de vinho esquecida. Comprada em algum dia em que aguardava um momento para ser compartilhado e que não aconteceu. Mas que importa? Não sou mesmo apreciador de vinhos. Ou de bons momentos. Ainda que tal esperança insatisfeita agora possa me ser útil. Havia vinho. Agora bastava pensar em como usá-lo melhor. Saborear, beber de um trago. Como poderia desfrutar melhor de seus efeitos? Um lento pôr-do-sol seria mais belo que o rápido desaparecimento de uma lua eclipsada? Melhor pensar nisso depois da primeira taça.

Caminhando pela casa percebo que o tempo já vai longe e felizmente havia duas garrafas. A opção espontânea foi por saborear mesmo que não tão demoradamente. De modo que cheguei ao dois desejoso que esse também fosse o número de infortúnios que me levaram a esse estado de desespero melancólico. Confuso. Os desalentos foram muitos. Acumulados ao longo de uma vida curta ainda. Não passei fome ou tive a casa derrubada por terremoto ou enchente. Isso agora podia me confortar. Mas existe a máxima de que os piores sofrimentos são os da alma. E é nisso que ébrio prefiro acreditar agora. Pois se perceber a futilidade do meu desprazer perante as agruras do mundo, posso me descobrir tão pequeno e desimportante como preferiria jamais perceber.

Não tive uma vida repleta de amores e aventuras como nesse momento eu preferia ter tido. Ao menos haveria um legado a deixar, coisas a lembrar. Dificilmente seria lembrado por coisas muito relevantes. Somente situações ordinárias. Se ao menos eu tivesse um segredo sórdido para propagar minha memória no imaginário dos que vierem depois. Imagine. Todos lembrando as coisas imundas que fiz. Em um misto de repulsa e inveja. Porque o impuro é necessário para suprir a fantasia daqueles que se mantém na normalidade do que dizemos certo. E o certo e o bom são receitas preparadas para impedir que nos tornemos todos loucos, e loucura geral seria tão tediosa como a sanidade. Simples questão de contraste.

Terminada a segunda garrafa o conforto não veio e me cansei de meus pensamentos e reflexões. Idéias vazias e repetitivas flutuando solitárias pela minha mente. Olhando as duas garrafas fica agora mais uma dúvida. De novo me encontro entre dois caminhos. Uma garrafa quebrada serviria para cortar a carne que sangra lentamente ou uma inteira serviria para estilhaçar um vidro ruidosamente por onde depois passaria um corpo que grita a plenos pulmões? Como seria melhor passar pela vida: calma ou ruidosamente?